Sob o governo do Talibã (1996 e 2001), mulheres e meninas afegãs enfrentaram a proibição de acessar educação e participar em diversas atividades sociais e profissionais. Com a derrubada do Talibã um ano após, houve um retorno massivo de meninas e mulheres às escolas e ao mercado de trabalho. Organizações internacionais e ONGs, anteriormente barradas pelo regime dos talibãs devido à sua postura antiocidental, puderam retomar suas operações nas principais cidades do Afeganistão.
Após o Talibã assumir o controle em 15 de agosto de 2021, a sociedade enfrentou temores sobre seus direitos, liberdades e bem-estar. Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã, declarou que as mulheres “são uma parte crucial da sociedade” e teriam seus direitos assegurados sob a lei islâmica, prometendo que não haveria “discriminação contra as mulheres”. Contudo, apesar das afirmações de mudança dos “novos” talibãs, a prioridade do grupo permanece sendo a implementação estrita da sharia, o estabelecimento de uma ordem moral rigorosa e a redução da presença feminina no espaço público.
O olhar de revolta para a situação do Afeganistão hoje, com o Talibã no poder, tem foco na violência cometida contra as mulheres, criando uma “nova e horrível” realidade para as afegãs, porém estas mulheres sofrem com a subalternização há anos, antes do Talibã e inclusive enquanto os Estados Unidos ocupavam o país. O machismo e o silenciamento feminino é uma marca histórica nesse contexto: desde a colonização inglesa no Afeganistão, é possível notar o domínio patriarcal, o machismo e a estratificação social. Pode-se dizer que a mulher afegã foi duplamente marginalizada – ou colonizada –, primeiro pela colônia inglesa, segundo pelo homem.
As mulheres afegãs são profundamente impactadas pela guerra e violência contínua no país. A organização Human Rights Watch (HRW, 2021b) estima que cerca de 87% das afegãs sofrem violência ao longo de suas vidas. As mulheres que não se submetem às regras do Talibã são espancadas, apedrejadas e/ou ofendidas verbalmente.
À respeito da violação dos direitos humanos e, em específico, das mulheres, estão: total proibição do trabalho feminino fora de casa; total proibição de qualquer atividade feminina fora de casa se a mulher não estiver acompanhada por um mahram (parente próximo do sexo masculino, como pai, irmão ou marido); mulheres são impedidas de fazer compras com comerciantes masculinos; não podem ser tratadas por médicos do sexo masculino; proibidas de estudar (o Talibã converteu as escolas para meninas em seminários religiosos); obrigação do uso da burca; apedrejamento público contra as mulheres acusadas de ter relações sexuais fora do casamento (muitas delas são apedrejadas até a morte); proibidas de praticar esportes; mulheres e homens são proibidos de viajar no mesmo ônibus. Os ônibus são divididos em “só para homens” ou “só para mulheres”; proibidas de usar calças, mesmo debaixo da burca; entre algumas outras regras.
Ao longo dos anos, as mulheres afegãs têm resistido à opressão e lutado contra o silenciamento, através de diversos movimentos feministas que reivindicam direitos e buscam uma existência justa e digna. A Comissão das Nações Unidas sobre o Status da Mulher (CSM), foi estabelecida em 1946 como um órgão do Conselho Econômico e Social, tem feito apelos contínuos para que o governo provisório do Afeganistão respeite integralmente a igualdade de direitos e as liberdades fundamentais das mulheres, priorize a questão da ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).
Várias organizações e iniciativas surgiram para apoiar esta causa, incluindo: Afghan Women’s Network (AWN), Afghan Women’s Council (AWC), o Afghan Women’s Educational Center (AWEC). E movimentos de caráter mais revolucionário como o Revolutionary Association of the Women of Afghanistan (RAWA). Essas iniciativas exemplificam o esforço contínuo das mulheres afegãs para garantir seus direitos e melhorar sua situação em um contexto de desafios significativos.
Escrito por Mariana Gerbassi Campos, cientista social formada pela UFRJ (2018), especialista em Sociologia Política e Cultura pela PUC Rio (2020) e atualmente mestranda em Ciências Sociais pela PUC SP. Pesquisadora da CNPQ com ênfase em sociologia da alteridade, migração e refúgio no Brasil. Uma fundadora-conselheira da ONG ARRO (Organização de Resgate de Refugiados do Afeganistão), formada por imigrantes e refugiados afegãos.