Lançado em 2023, “Golda – a Mulher de uma Nação” narra um pequeno recorte da história de Israel e a primeira-ministra do país, Golda Meir. Em 1973, na manhã do dia 06 de outubro, tropas egípcias e sírias realizam um ataque coordenado ao Estado judeu afim de reconquistar os territórios controlados por Israel desde 1967. Sob a perspectiva pessoal da Chefe de governo, a trama narra todos os vinte dias de guerra de forma detalhada, focado nas decisões de Meir durante a guerra; os traumas pessoais enfrentados; e a relação com várias lideranças de seu gabinete.
Como dito, o roteiro do filme é majoritariamente ancorado no conhecimento histórico deste período do conflito árabe-israelense e da história do Oriente Médio. Em seus primeiros minutos, uma breve sequência de fotos é o suficiente para contextualizar a audiência com as origens da disputa.
Contudo, principalmente para aqueles que não conhecem a história, que está longe de ter começado no século passado, ou muito menos o contexto da Guerra Fria, o filme parecerá confuso e sem contexto. Para além de conhecer o motivo do ataque no feriado judaico de Yom Kippur, o filme não se propõe a introduzir os ditos “leigos” aos diversos nomes de territórios ou personalidades políticas/militares. Estas parecerão despercebidas para novatos, e creio que o filme não funciona como material cinematográfico em alguns momentos.
Feito esse ponto inicial, recebi e li muitas críticas negativas a “Golda” por não citar o nome da Palestina em sua duração, ou trazer alguma informação ao contexto atual que viviam os palestinos em 1973. Respondo estas críticas com a lógica da proposta: Desde seu material promocional até a sinopse, “Golda” não se propõe a tratar sobre a questão palestina (a qual é brevemente sim citada na apresentação inicial); o muito menos trazer uma narrativa que trate sobre palestinos e israelenses de forma equilibrada. Sua proposta que deve ser entendida ao sentar-se na sua sala para assistir (disponível no Prime Video) é clara em seu próprio título.
Neste material, o espectador irá encontrar uma dramatização do caminho pessoal da primeira-ministra de Israel, e membros de seu gabinete, durante a eclosão até o encerramento da Guerra de Yom Kippur. O filme, então, é uma boa dramatização destes eventos?
No ano de 2003, ao completar 30 anos da guerra, o governo dos Estados Unidos disponibilizou diversos documentos desclassificados acerca da questão; incluindo diversas conversas que tiveram a participação de Henry Kissinger – Assessor de Segurança Nacional a época – e que está representado no filme. O conflito em 1973, para vários autores, é entendido como um evento que fortaleceu as relações de Israel e os Estados Unidos; essencialmente com o auxílio militar dos norte-americanos que foi decisivo para o Estado judeu resistir ao início das hostilidades. (Motta et al, 2021)
O filme possui diversos diálogos transcritos destes documentos, principalmente nas conversas entre Kissinger e Golda; apenas com leves alterações no tempo e local para adequar a narrativa do filme. Por ter contato direto com estes materiais empíricos, o filme transpareceu um aspecto positivo de veracidade, e poucos momentos pretendeu criar acontecimentos novos como vários filmes “baseado em fatos reais”. Talvez o aprofundamento na angústia pessoal intimista da primeira-ministra em frente aos acontecimentos do conflito seja um dos raros momentos de inventividade.
Por fim, ao trazer minha perspectiva pessoal ao assistir um filme de um assunto próximo ao nível de pesquisa acadêmica, não considero “Golda – A mulher de uma nação” um filme apropriado para entender a complexidade do conflito árabe-israelense para quem não tem familiaridade com a História. Mas, caso contrário, seu recorte e viés está prontamente esclarecido. O filme cumpre o papel de seus idealizadores, e é direto ao ponto no que se propõe, o que justifica sua curta duração.
Escrito por: Bruno Campos. Bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), atualmente é Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Analista Institucional do Laboratório de Estudos do Oriente Médio (LEOM). Temas de pesquisa incluem: Comportamento Legislativo; Relações Brasil-Israel; Relações Brasil-Palestina e Política Externa Brasileira.
Referências
MOTTA, Bárbara; CAMPOS, Bruno; LEMOS, Débora. As relações especiais Estados Unidos-Israel e a Guerra de Yom Kippur A construção de um lastro seguro de discordância. Relações Internacionais, n. 70, 2021.